caminhava pelo corredor seguindo a faixa de luz vinda do quarto. atravessava a luz pela porta entreaberta, o torpor e a enxurrada de lembranças lhe transpassava o peito feito espada afiada. um passo após o outro, bem devagar, o corpo exausto, suado, tenso, as mãos trêmulas, o peito acelerado, o choro, o pesadelo. levantara da cama antes mesmo de acordar, tamanho impulso causado em seu corpo, tantas imagens e turbulência que não conseguiu respirar mais o sono morto, apagado em que estava.
havia tristeza e melancolia já desabotoando o corpo; os devaneios destemidos da alma carregavam todas as bagagens e malas para as mais variadas estações e paisagens.
perdeu-se alí, no meio do corredor, alguns passos mais adiante... uma ausência invadiu-lhe os pulmões a tal ponto de não poder respirar. inspirou fundo e soltou os braços ao longo do corpo, feito soldado flechado em guerra. num grito mudo, caiu de joelhos alí, perto da porta da sala, a luz do abajour do quarto iluminando suas costas, a luz da rua iluminando o cenário. o sofá com as almofadas bagunçadas deixava revelar qualquer paixão perdida entre papos e cigarros, visto que o cinzeiro estava cheio no canto da mesa de centro. alguns discos espalhados ao lado do aparelho de som. e ele mais adiante, esvaído em naquela onda toda que se misturou com a vigília noturna no campo dos sonhos. e tinha ainda o efeito do álcool; todas aquelas taças e garrafas e brindes, serviram pra que, senão pra uma dor de cabeça que mal lhe permitia soluçar, agora, caído naquele corredor mal iluminado, cheio de versos e canções na cabeça. tão perdido estava que não conseguia fazer as contas de quantos dias se passaram, de quantos ainda restavam.
temia, vez ou outra, sair durante o dia, e vez ou outra sair pela noite.
e não sabia também que hora da madrugada ou da noite seria. tateou a parede sem conseguir enxergar nitidamente, apoiou-se para levantar em direção a cozinha, ao calendário.
já se passava um terço da longa jornada de morte e renascimento. não encarava esse espaço de tempo como algo ruim e desfavorável, pelo contrário, pensava ser esse o tempo de maior aprendizado a cada renovação. 'é cíclico', pensou enquanto ajeitava um certo sorriso torto, já quase amanhecia, e não havia nenhum outro compromisso pela manhã a não ser o dele com ele mesmo.
foi até a sala, organizou as almofadas e limpou o cinzero e taças espalhadas, guardou o bilhete de despedida encontrado em cima do travesseiro amarrotado. chorou até estar inteiramente derperto e desgastado. tomou um comprimido contra a dor e desligou o abajour para perceber melhor o sol aquecendo o horizonte ao fundo dos prédios. acendeu um cigarro, debruçou-se na janela, olhou longe, observou com detalhes e desenhou em si cada imagem que conseguisse compreender ou não. sabia que entres seus dedos estariam alguns dos sonhos e tesouros que pensava ter deixado escorrer. mediu os palmos e percebeu que o mundo é enorme quando se sofre, mas que também pode ser do nosso tamanho, se embriagarmos os sonhos até fazerem reais.
coçou o pescoço, rindo, achando tudo isso muito piegas, mas achou mesmo, e gargalhou, tendo a certeza que era ótimo, e precisava ser piegas para ser realmente favorável, às vezes.
jogou-se tonto no colchão, sob o efeito de cigarros, álcool e divagaçõe, relaxou e foi participar em fase, por hora, do eterno ciclo coletivo de nascer e morrer. e renascer novo, de novo.
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