domingo, 10 de junho de 2007

12 anos

Sentou-se para escrever. Aproveitou que a música tocava alto só no seu ouvido, estonteante. Esqueceu do mundo além daquela tela. Riu com os olhos brilhantes, que logo se encheram d'água. As lágrimas hidratavam as lembranças, a saudade. Lembrou do seu corpo ainda pequeno, despreocupado, correndo pelo quintal de uma casa não muito distante de onde estava agora. Lembrou o latido dos cachorros que teve. Lembrou da partida da cada um. Virou pro lado e se viu abrindo sua lancheira, no recreio da escola. As brincadeiras no parquinho, os namoricos. Aquele cheiro de infância invadiu a sala. Logo estava atônito, perdido num mundo nem tão distante. Esse mundo não tinha dor, só cores, sorrisos. Um choro vez ou outra, que pouco durava. Nesse mundo tudo era animado, vivo, pulsante. Não havia mal; e quando sim, sempre levava uma lição e tudo ficava bem. Chorou saudoso e dolorido. Pensou nessa geração: digital, separada, quase inerte, cheia de medos, inseguranças. São tantos males pra se combater hoje em dia... Para onde foram os super-heróis? Procurou os estrelas. Elas estavam turvas por causa da fumaça dos carros, fábricas. Procurou um desenho pra assistir, mas era tanto sangue, tanta maldade, que resolveu deixar o dvd de lado. E ele só queria achar aquelas fitas vhs emboloradas pelo tempo. Pensou em ir a um sebo, só pra sentir aquele cheiro de anteontem. Mas já era tarde e não seria seguro ficar andando por ai sozinho àquelas horas. Voltou-se aos seus pensamentos. Cerrou os olhos e lembrou-se das fadas, dos seres encantados. Certamente eles já não andam mais por aqui por perto; foram em busca de alguma floresta... se é que ainda existe alguma. Sentiu a boca seca e foi até a geladeira; não tinha grapette. Conformou-se com sua dose de uísque 12 anos. Perguntou-se onde estava e o que fazia há exatos 12 anos... Foi mais longe, ponderou se ainda estará aqui daqui a doze... dez. Teve realmente vontade de saber se sobrará alguma coisa para as próximas gerações. Ajeitou-se, desajeitado, na poltrona. Sofreu consigo mesmo a dor da incerteza e, por um segundo, quase desistiu de ter filhos... Definitivamente não quer que eles sofram o que está por vir, o que já está por aqui. Tirou o casaco. Fazia calor agora. Mas estamos no verão - pensou. É o aquecimento global - respondeu sua consciência. E por hora, ele não quis mais escutá-la. Já havia um cansaço natural do dia corrido, e a dúvida do amanhã incerto já estava lhe causando desconforto. Escreveu uma lista de meia dúzia de coisas que gostaria de fazer até o fim do ano, mesmo sabendo que o tempo e o dinheiro - ou melhor, a falta deles - não lhe permitiria realizar sequer a metade. Sentiu saudades das 'vacas gordas'... Hoje elas andam tão magras com essa coisa de 'mundo da moda'. E por falar em moda, vaca já saiu de moda faz tempo. Agora são listras, zebras... Só essas coisas que não existem no Brasil. Acendeu um cigarro... lembrou-se das propagandas antigas. Naquela época, nem o cigarro fazia mal. Hoje até a água faz. E o que dizer do ar? Desenhou um bonequinho numa caderneta de recados em cima da mesa. Até o bonequinho lhe pareceu triste. Sentiu saudades das gargalhadas que dava em frente a televisão alguns anos atrás. Hoje, ele não assiste nem o jornal. Já sabe que foram roubados não-sei-quantos-milhões, morreram não-sei-quantas-pessoas... O cigarro terminara de queimar quase que sozinho e ele ainda não tinha tido nenhuma idéia do que escrever naquele papel. Tomou o último gole do uísque e seguiu pra cama meio tonto. Levou consigo o caderno. Ainda em transe entre o ontem, o hoje e o possível amanhã, conseguiu resumir seus devaneios antes de apagar solitário naquela cama, sem antes ouvir um conto de fadas - ou de farsas. Podia-se ler as letras tortas naquele caderno jogado no canto da cama... E lia-se: 'saudade'.

[MarcusFaro]

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