o dia clareou num relâmpago. o sol já raiado entre os prédios, a claridade participando do movimento das cortinas e coisas do quarto. ver, perceber. deirtar-se nos pensamentos sutis do amanhecer, numa apressada calma de existir. sabendo-se ali deitado, observou-o levantar para enxaguar o sono do rosto. ainda naquele mar de roupas e lençóis espalhados, ele sentia os sonhos deles pairando na atmosfera das partículas que flutuavam pelos feixes que atravessavam as cortinas.
foi de repente que havia acordado. não sentido o braço recostado, sentia falta do leve repousar do sono em seu peito. mas estava ali, bem a sua frente: a suave beleza forte. belo porque existia, tão somente essa era a sua própria beleza, ali a se vestir...
arrumou-se e partiu, visto que o plano era sair antes do primeiro raio, e já havia vários espalhados pelo quarto, pela casa calma. bem de manhã; não havia som ligado, nem barulho na vizinhança. era manhã de segunda-feira.
ali, naquele quarto. naquela rua cortada de sombras, pois o sol ainda não havia se levantado com todo seu vigor. era uma fresca manhãzinha de segunda-feira e dava para tomar banho de sol da janela, aquecendo os sonhos que recém despertaram. despediram-se um pouco mais rápido que de costume e não puderam sorrir tanto no corredor, enquanto o elevador não chegava, pois haviam vizinhos a entrar e sair de seus apartamentos. mas riram-se, despediram-se, piscaram. sabiam-se assim, nos olhares quando não queria falar muito; nas longas conversas, quando era de palavras que tinham sede... até as bocas ficarem secas. como era a própria sede de matar a sede que tinham. souberam e seguiram. ele foi até a janela esquentar-se um pouco mais com a manhã. passeando o olhar pela cidade que desperta estava, avistando-o descer a rua, azul e verde, sorriu para si de satisfação e plena felicidade.
pois tinha o direito de permanecer assim, naquele estado das partículas ao sol, naquele lugar onde os sonhos pairavam - e por que não habitavam? - diante de si e dele, que descia a rua na força de ser o que era. passando pelo fio que cortava a rua, onde um beija-flor pousado cantara numa certa madrugada deles, seguiu pela outra rua, até desaparecer das vistas para existir nele.
decidiu por um café forte e enquanto o adoçava, se deu conta do quão presente é ser e deixar existir tudo aquilo em que se acredita. e que realmente saber se o outro é saber ser a si próprio primeiro. amou-se mais. amou-o mais.
nascia ali, naquela manhã ensolarada e aquecida. pássaros voando, raios cortando o céu, os véus do pensamento. o peito aquecido pelos sonhos e pela bebida amarga, pois havia desistido do açúcar. sabia que o amargo café seria o equilíbrio para o doce que a vida lhe dava.
nascia ali, sim, nascia da beleza de morrer e renascer nessas manhãs incertas de tamanhas decobertas... nasceu no peito, na explosão de um átomo contaminado de letras e músicas. nesse dia mais branco, no transbordar das taças.